Podcast #3 Economia Comportamental aplicada ao Ecommerce
“A manipulação comportamental é utilizada há muito tempo. Quem observa o comércio, seja ecommerce ou mesmo o comércio tradicional, percebe um conjunto muito grande de estratégias de manipulação comportamental.”
— Carlos Mauro, Cloo
Nesta edição, o tema abordado é a economia comportamental aplicada ao ecommerce.
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Questões
- O que é a economia comportamental? [01:15]
- De que forma a economia comportamental afeta o nosso dia a dia e as nossas decisões enquanto seres humanos? [05:25]
- Quais são as principais questões éticas que a manipulação comportamental levanta e qual o limite para a sua aplicação? [08:55]
- De que modo podemos aplicar técnicas de manipulação comportamental num website ou numa loja online? Ou seja, como podemos dar um “empurrãozinho” para influenciar o comportamento do consumidor? [13:20]
- Defende-se que imagens apenas com produto (sem pessoas/caras) funcionam pior do que imagens dos produtos com pessoas/caras. A economia comportamental pode explicar isso? É verdade que a presença de pessoas e de caras nas fotografias ajudam a condicionar a decisão de venda? [25:11h]
- Que livros e outros recursos recomendas ler sobre economia comportamental, mais aplicada à vertente do comércio eletrónico? [36:28]
- Contactos dos entrevistados. [41:00]
Recursos citados no podcast
Dan Ariely
digitai.org – Shlomo Benartzi
Nudge – Richard Thaler
Cloo – Consultoria em economia comportamental
cloo.pt
geral [at] cloo.pt
Transcrição do podcast
Nelson Peixoto: Bem-vindos ao podcast Tudo sobre eCommerce. O Tudo sobre eCommerce é o acelerador de projetos de ecommerce em Portugal. Foca-se em ensinar tudo o que existe sobre o mercado das vendas online e direciona-se para empreendedores que pretendem criar um projeto ecommerce de raiz ou otimizar projetos existentes. É desenvolvido por uma equipa de profissionais de ecommerce que se juntaram com o objetivo de tornar o mercado português numa referência em projetos de comércio eletrónico.
[00:00:28] Nesta edição, vamos falar sobre economia comportamental aplicada ao ecommerce. Para isso, temos connosco dois convidados. Carlos Mauro, Chief Scientific Officer da CLOO – Behavioral Insights Unit, empresa pioneira em consultoria em economia comportamental, e docente na Católica Porto Business School. Temos também connosco, João Matos, consultor de políticas comportamentais da CLOO e mestre em Sociologia.
[00:00:57]
Começo por perguntar o que é ou como se define a economia comportamental?
Carlos Mauro: [00:01:03] A economia comportamental, na verdade é uma interseção, uma junção de algumas áreas científicas, entre elas a psicologia cognitiva, a psicologia social, a economia e, curiosamente, muitas pessoas não colocam, a filosofia. Mas também a filosofia é relevante porque ela é que dá alguns dos fundamentos para a aplicação da economia comportamental às políticas, por exemplo, às políticas públicas.
[00:01:33] A economia comportamental parte do pressuposto de que o que é relevante nas políticas comportamentais é perceber o que é, quem é o agente real não um agente idealizado, não o ideal metodológico que muitas vezes é, por alguns, denominado homem racional ou o homem económico. O agente que nos interessa é o agente que tem enviesamentos cognitivos, é um agente que toma decisões erradas, é o agente real como nós vemos na rua todos os dias e é como vocês muito provavelmente sentem. Apesar de que algumas pessoas se sentem muito mais racionais do que de facto são. Essa é uma das questões relevantes quando, por exemplo, eu faço apresentações ou mesmo palestras sobre o tema. As pessoas reagem, normalmente, pensando que são elas próprias muito racionais, que não cometem erros que muitas vezes nós expomos.
[00:02:46] Uma das questões essenciais sobre a crença que as pessoas têm do que é economia comportamental, a ideia é de que os economistas comportamentais dizem que somos todos irracionais. Na verdade, isso não é verdade. Eu tenho ouvido algumas pessoas dizendo que os economistas pensam que somos todos absolutamente racionais, então a economia comportamental seria a grande descoberta de que não somos perfeitamente racionais. Na verdade, a economia trabalha com um ideal metodológico, a ideia de que é preciso, para criação um modelo, ter o pressuposto de que as pessoas são racionais, mas não que elas sejam necessariamente racionais em todos os momentos do dia. Portanto, a economia comportamental não é sobre a racionalidade, é sobre a irracionalidade. Ela é sobre o agente real, que algumas vezes é mais, outras menos racional. A economia comportamental tem sido utilizada em várias áreas, mas aqui vou dar alguns exemplos para vocês. Por exemplo, na área do direito tem uma subárea que nós chamamos de behavioral economics que é em grande medida a aplicação dos princípios da economia comportamental ao direito. E depois, uma área que nós chamamos de nudging que é a criação de políticas públicas e políticas organizacionais, políticas privadas de alteração de comportamento, por exemplo.
[00:04:19] Você falou da coluna no inicio da tua apresentação. A CLOO, para vocês terem uma ideia, ela tem quase 50 por cento de psicólogos e os outros 50 por cento ficam divididos entre economistas, pessoas da área de gestão, sociologia e também direito. Portanto, nós temos uma equipa relativamente grande de associados e a equipa residente são nove pessoas e dessas nove, 50 por cento são psicólogos. Porque é que eu estou dizendo isso? Para nós a economia comportamental tem clara origem na psicologia. Obviamente economia é importante nessa equação mas a psicologia, principalmente a psicologia social e a psicologia cognitiva têm grande influência naquilo que é a economia comportamental hoje.
Nelson Peixoto: [00:05:12]
De que forma a economia comportamental afeta o nosso dia a dia e as nossas decisões enquanto seres humanos?
Carlos Mauro: [00:05:21] Na minha opinião existem duas formas de descrever o impacto da economia comportamental no nosso dia a dia. Por um lado, o impacto na ciência, na forma que nós conceptualizamos nas ciências comportamentais os agentes, especificamente, na economia e na própria gestão, como agentes que não exibem uma racionalidade exuberante, profunda e intensa, mas agentes que possuem enviesamentos e portanto nós conseguimos compreender melhor, explicar melhor os comportamentos do ponto de vista científico e, eventualmente, prever com mais precisão esses comportamentos.
[00:06:06] Do ponto de vista prático, o nudging, que é a aplicação da economia comportamental para a criação de políticas, principalmente de alteração comportamental, pode alterar o comportamento das pessoas, por exemplo, numa política pública ou numa política organizacional que tenha como objetivo o bem coletivo.
[00:06:32] Vou dar um exemplo muito simples sobre o tempo que os pais passam com os filhos a ler quando os filhos são pequenos. Existem várias intervenções que mostram que determinadas mensagens, por SMS e mesmo emails, podem fazer com que os pais leiam durante o dobro do tempo com os filhos. Nós mesmos, aqui em Portugal, temos um projeto com o Edulog, que é um think tank da Fundação Belmiro de Azevedo, que tenta exatamente isso, ou seja, aumentar o tempo que os pais passam em atividades de leitura com os filhos, do primeiro ao quarto ano. Utilizamos mensagens personalizadas, pensadas do ponto de vista comportamental para influenciar o comportamento dos pais.
[00:07:23] Esse projeto ainda está em andamento, portanto, é uma coisa que só teremos resultados, provavelmente, no final deste ano e no início do próximo ano. Mas, de qualquer forma, é um exemplo de como pode produzir impacto. Essas mensagens são pensadas para influenciar o comportamento dos pais, em horas específicas e de uma forma específica. Nós dizemos que vamos manipular algumas variáveis, não é manipular as pessoas no sentido ruim, mas manipulamos algumas condições e verificamos quais são as condições que produzem melhor resultado. Depois que essa experiência é feita, nós podemos dizer quais são ou qual é a intervenção que melhor funciona para que depois seja escalada, para que depois passe para um outro nível.
[00:08:17] Antigamente, se fazia política pública tentando, tentativa e erro. Se faz dois anos, três anos, quatro anos e não deu certo, tenta outra. Mas nós não podemos fazer isso, é um desperdício de recursos. A economia comportamental tem essa vantagem, o método que nós utilizamos, que é o método experimental, tem essa vantagem: Nós testamos, vemos quais são os resultados e depois só, é que dizemos “Ok, vale a pena investir nesta política”.
Nelson Peixoto: [00:08:41] Quando vi a tua palestra no TEDx Porto, referiste que certos políticos e organizações como o Banco Mundial recorrem a agências que trabalham políticas públicas do ponto de vista comportamental, tal como falaste agora mesmo.
Na tua opinião, quais são as principais questões éticas que a manipulação comportamental levanta e quais os limites para a sua aplicação?
Carlos Mauro: [00:09:09] A manipulação comportamental, como você chamou, já é utilizada há muito tempo. Na verdade, quem observa o comércio, seja ele o ecommerce ou mesmo o comércio tradicional, percebe um conjunto muito grande de estratégias de manipulação comportamental: o local onde eu deixo, onde eu coloco um produto; que produtos eu ponho em desconto, que produtos eu ponho perto do caixa. Enfim, um comerciante que tem uma loja de garagem sabe muito bem como manipular o comportamento da mesma forma que quem faz ecommerce sabe como manipular o comportamento. Pode não ter conhecimento científico, pode não fazer isso de forma científica, portanto, testando quais são as manipulações que mais dão resultado, mas na verdade já fazem isso no dia a dia. O próprio governo ou os governos quando lançam políticas públicas, ou determinadas campanhas, sejam elas quais forem, fazem, também, manipulação comportamental. Portanto, a manipulação comportamental está no nosso dia a dia. Isso faz parte, muito provavelmente, não vou dizer natural porque isso seria bastante controverso e vocês iriam ter mensagens de desagrado, mas, na verdade, essa manipulação é comum.
[00:10:33] O que a economia comportamental tenta fazer ou, deveria tentar, com as suas agências e empresas, como a CLOO, é manipular ou criar políticas, melhor dizendo, criar políticas de alteração comportamental que beneficiem as pessoas, mas, principalmente, em termos coletivos, ou seja, nunca criar políticas de alteração comportamental para beneficiar uma empresa em detrimento do consumidor, beneficiar uma empresa em detrimento de outra empresa, prejudicando outra empresa. A ideia de justiça e a ideia de correção , a ideia de Bem, com letra maiúscula, para a economia comportamental é muito importante e é aí que ela se justifica do ponto de vista ético.
[00:11:25] No entanto, existem e vão aparecer ainda pessoas no mercado que dizem que fazem economia comportamental para qualquer tipo de política seja ela positiva ou negativa do ponto de vista coletivo.
[00:11:43] Nós não concordamos com isso, aliás, uma boa parte dos economistas comportamentais, diria, quase totalidade, não concorda, mas o mercado é isso mesmo e provavelmente vamos ter empresas que fazem qualquer tipo de política comportamental.
[00:11:58] É importante percebermos que a manipulação comportamental, como você chamou, Nelson, ela é extremamente eficaz. E ela pode realmente prejudicar as pessoas. Mas a grande vantagem é que ela pode beneficiar muito as pessoas e beneficiar muitas pessoas. Desde coisas como dieta, como fazer mais exercícios, tomar a medicação na hora certa, ler mais com os filhos, não jogar o lixo na rua, diminuir a corrupção… Portanto há muitas coisas positivas que podem ser feitas. Portanto cabe às empresas, às agências de economia comportamental ter claramente na sua missão, nos seus valores estes pressupostos éticos.
[00:12:47] O limite, então, só para responder de um modo mais objetivo, é: não prejudicar as pessoas indo sempre ao encontro, ou seja, indo sempre de alguma forma entrando no campo do benefício máximo possível para o maior número de pessoas.
Nelson Peixoto: [00:13:08] Falaste há pouco dos comerciantes, e do comércio, e focando agora um pouco mais na parte comercial, de que modo podemos aplicar essas técnicas de manipulação comportamental num website ou numa loja online.
Ou seja, de que forma podemos dar um “empurrãozinho” para influenciar o comportamento do utilizador, do consumidor?
João Matos: [00:13:35] Portanto, como o Carlos estava a dizer também há bocado estes princípios da psicologia cognitiva e da psicologia social que estão muito na base do que nós fazemos quando trabalhamos na economia comportamental, eles não são totalmente desconhecidos dos profissionais de marketing. Aliás, eu estaria a insultar as pessoas que trabalham no marketing se viéssemos aqui dizer que elas não percebem nada disso, não sabem como alterar ou induzir comportamentos nas outras pessoas e os marketers já há muito tempo que o fazem.
[00:14:12] Este espaço digital do ecommerce torna todas estas técnicas ainda mais fortes porque permite -nos criar uma experiência visual que pode influenciar a pessoa de várias formas, logo a partir da cor, quais são os produtos que estão em destaque, quais são os preços que as pessoas vêm primeiro. E depois há uma série de estratégias que são conhecidas e que os próprios consumidores já vão tendo alguma noção delas, como, por exemplo, induzir uma sensação de escassez, dizer à pessoa que aquele é o último quarto que está disponível ou é o último bilhete e que se ela não comprar nos próximos cinco minutos, se calhar, deixa de estar disponível.
[00:14:58] As próprias pessoas já reconhecem que isso é, provavelmente, um truque ou uma forma de as obrigar a ter um comportamento imediato, naquele momento, mas, mesmo reconhecendo isso, funciona porque isso é um princípio do comportamento humano. Nós valorizamos mais os bens, ou os serviço, ou o que quer que seja, quando sentimos que eles são escassos.
[00:15:26] A questão aqui é a ética com que este tipo de estratégias é utilizada. Quando nós dizemos que aquele é o último quarto disponível é efetivamente o último quarto disponível ou, se calhar, até não é. Da mesma forma, quando tentamos usar normas sociais, nós sabemos que as pessoas também tendem a conformar-se ao comportamento das outras pessoas, é um aspeto que, apesar de nós tendermos a rejeitá-la em nós próprios, geralmente até o conseguimos reconhecer no comportamento das outras pessoas e que faz sentido em termos evolutivos porque se nós fizermos o mesmo que as outras pessoas estão a fazer e se as outras pessoas ainda estão vivas neste ambiente, então, se calhar não é má ideia seguir o que elas estão a fazer. Portanto, é uma tendência que nós temos, não quer dizer que vamos ser completamente influenciados.
[00:16:20] Nenhum destes princípios significa que nós conseguimos a cem por cento alterar o comportamento das pessoas, significa que são princípios que estão estudados, que nós sabemos que são relevantes e que em média vão produzir uma alteração. Quando nós dizemos que um produto é popular ou que os seus amigos já adquiriram este produto, estamos a usar a informação de forma real, de forma clara ou não? Muito do trabalho que a economia comportamental faz hoje na área do comércio é, também, para salvaguardar os direitos do consumidor e a experiência do consumidor e garantir que eles podem, de facto, ter acesso aos produtos que lhes interessam, num ambiente que seja cognitivamente mais seguro, digamos assim.
[00:17:17] A União Europeia, por exemplo, tem uma linha interessante de investigação na área da economia comportamental que usa depois para tentar promover alterações na legislação. Por exemplo, eles já fizeram estudos a nível de jogo e de jogo online que levaram a uma série de recomendações sobre que tipo de anúncios é que se pode fazer para os jogos de aposta ou não. E a tendência vai ser cada vez mais para ter em conta estas características, por um lado na legislação e na regulação que vai haver, por outro lado, também, na comunicação para o consumidor, para tentar criar também algum empoderamento na parte do consumidor.
[00:18:13] O que pode acontecer aqui muito claramente é que à medida que as pessoas vão reconhecendo estas estratégias, por mais que elas continuem a cair, por mais que elas continuem a ser influenciadas por este tipo de estratégias, o facto de elas reconhecerem e de perceberem que provavelmente é algo ponderado, vai criar, também, algum desgaste na relação com a marca ou com o tipo de website. O que poderá acontecer é que cada vez mais surjam plataformas que se pressuponham a ter um sistema mais justo, mais claro em termos de informação e que acabem por captar, também, cada vez mais as pessoas por as fazerem sentir que aquele é um ambiente mais seguro onde não são usadas tantas estratégias de manipulação de comportamento.
Carlos Mauro: [00:19:10] O João estava falando de alguns aspectos extremamente importantes, e nós partilhamos essa mesma crença, que é que a economia comportamental pode ajudar no ecommerce, transformando ou melhorando a experiência do consumidor. O consumidor quando compra aquilo que realmente quer ou aquilo que precisa e que tem o desejo, tem preferência por aquele produto, num processo organizado que não tem excesso de escolha, excesso de opções de escolha e excesso de informação. Portanto, para melhorar o nosso trabalho, para melhorar a experiência do consumidor e acreditamos que melhorará a experiência das empresas no que diz respeito à rentabilidade, ou seja, muito provavelmente as empresas no médio e longo prazos vão beneficiar desse investimento, pensando numa melhor arquitetura de decisão para o consumidor.
[00:20:14] Por exemplo, é relativamente fácil usar uma coisa chamada arrependimento antecipado, que é fazer com que a pessoa pense que se ela não tomar aquela decisão ou se ela não comprar aquele produto em algum momento ela vai-se arrepender. Sabe aquelas histórias, que todo mundo já conhece, são os últimos 5, isso é escassez, mas, também, eu posso pensar a pessoa vai se arrepender de não ter comprado porque quando ela quiser ela não vai poder mais comprar ou o preço vai está mais caro. Existem várias formas de eu manipular esse arrependimento, fazendo com que a pessoa antecipe uma situação futura que vai causar alguma dor.
[00:20:54] A pergunta que eu faço, então, é: uma empresa claramente pode, através do ecommerce, vender uma, dez, cem, mil vezes utilizando esse tipo de manipulação comportamental, como eu disse há pouco. A questão é saber se isso no médio e longo prazo, realmente, nesse contexto que as pessoas já têm um pouco mais de informação e que a economia comportamental têm sido desenvolvidos, se neste contexto, realmente, é sustentável. As pessoas vão perceber, vão compreender que estão sendo enganadas. Muito provavelmente continuarão a ser influenciadas para determinadas compras, mas a nossa opinião, à imagem dessas empresas, à forma que as pessoas pensam sobre estas marcas e sobre essas empresas, a forma será alterada. Portanto, acho muito difícil que isso seja sustentável no médio e longo prazo.
[00:21:53] Como nós somos, normalmente, míopes em relação ao que fazer, nós pensamos muito no curto prazo e pouco no longo prazo, então, a minha sugestão é: se quisermos pensar no longo prazo, encontrar formas de utilizar a economia comportamental, utilizar o conhecimento que nós temos sobre cognição humana para melhorar a experiência do consumidor.
João Matos: [00:22:16] Agora, é claro que podem ser adotadas estratégias que têm em conta a forma como nós pensamos e processámos a informação para melhorar, efetivamente, a experiência do consumidor.
[00:22:28] Por exemplo, nós sabemos quando pessoas têm um excesso de informação, um excesso de escolhas, têm mais dificuldade em processar essa mesma informação e depois em tomar a escolha. No caso da escolha até se fala às vezes do paradoxo da escolha, de um overload de escolhas, em que a pessoa tendo mais escolhas, em teoria, deveria ter melhores condições para tomar uma decisão, uma opção para fazer uma compra que está mais de acordo com as suas preferências, mas muitas vezes acabam por experienciar uma decisão de compra pior. Acabam por sentir mais dificuldade em escolher, acabam por sentir maior arrependimento depois da compra porque comparam aquilo que compraram com as outras opções que tinham, e pronto, ficam ali a pensar: “será que foi mesmo esta a escolha correta?”. E muitas vezes essas sensações levam mesmo a que a pessoa evite, a que a pessoa não decida comprar qualquer um dos produtos.
João Matos: [00:23:32] Claro que isto depende muito do tipo de produtos que estamos a falar. Quando são produtos que as pessoas já conhecem e têm mais experiência, já que sabem aquilo que estão à procura, elas podem, de facto, apreciar ter a escolha. As pessoas de modo geral gostam de ter escolhas, mas é importante também a forma como apresentamos essas escolhas às pessoas e, por isso, é possível, conhecendo o consumidor organizar a informação de forma a que seja relevante para ele. Ajudá-lo a navegar por filtros, das informações que são relevantes, para que elas possam de facto encontrar aquilo que estão à procura, para lhes ser mais fácil chegar ao produto que elas procuram.
[00:24:24] Isto já é feito, obviamente, mas é um exemplo de como a informação que nós temos sobre a forma como as pessoas lidam com informação pode ser usada para, de facto, beneficiar o consumidor, tornar a informação mais clara, ajudá-lo a encontrar aquilo que ele está à procura, também de uma forma mais simples e não assumir que ele vai, por si só, conseguir processar todas as escolhas e todas as informações que lhes apresentamos.
Nelson Peixoto: [00:25:01] Alguns clientes perguntam-nos se as lojas online e os sites que têm atualmente que, em alguns casos, simplesmente, têm fotografias de produtos, ou é roupa ou é calçado ou outro tipo de produtos, e não têm fotografias com modelo ou com cara de pessoas.
[00:25:21] Há quem defenda que as imagens apenas com produto funcionam pior do que as imagens dos produtos com pessoas ou caras, por exemplo. A economia comportamental consegue explicar isso?
É verdade que as pessoas e a cara humana, por assim dizer, ajudam a condicionar a decisão de venda?
João Matos: [00:25:43] Portanto, esta parte do processamento de caras, na verdade, nós temos pessoas na CLOO que até poderiam explicar isto de uma forma bastante mais técnica e em mais profundidade do que nós. Mas, a verdade é que sim, a presença de caras tem um impacto muito grande na forma como nós percebemos uma imagem.
[00:26:11] Nós temos zonas no nosso cérebro que são especializadas no reconhecimento e no processamento de caras e das expressões faciais. Isto é algo que nós, também, conseguimos perceber pela nossa evolução. Isto pode ser, inclusive, facilmente entendido de um ponto de vista evolucionista, da nossa evolução, porque nós em diversos momentos, o reconhecimento de uma cara amiga ou de uma cara que não é conhecida, que é desconhecida e que provavelmente é inimiga foi em muitas situações uma questão de vida ou de morte. E nós conseguimos muito rapidamente processar caras e percebermos se elas têm alguma semelhança para nós, inclusive, inferir alguns traços de caráter: será que é uma pessoa confiável, inteligente, etc.?
[00:27:12] Hoje em dia até já se trabalham em programas de software para tentar criar caras confiáveis e caras não confiáveis. Portanto, o mero facto de existir uma cara garante que a maior parte das pessoas vão prestar mais atenção porque nós damos muita atenção às caras das pessoas, efetivamente, mas depois o tipo de cara, a sua expressão, a forma, os traços que nós vamos inferir dessa expressão facial também vão ter muita influência nas associações que a pessoa vai fazer de um modo inconsciente com o produto que está a ser apresentado.
Carlos Mauro: [00:00:00] Uma coisa importante é a seguinte: nós estamos programados, de alguma forma, para priorizar o processamento de face, como o João disse. Nós priorizamos não conscientemente o processamento de caras ou de faces por uma questão, podemos chamar evolutiva, mas para conseguirmos inferir coisas importantes sobre o ambiente. Portanto, sim, colocar faces, colocar pessoas, poderá chamar a atenção e fazer com que as pessoas processem rapidamente e que a atenção se volte para estes produtos.
[00:00:37] Só que, falando de uma experiência agora como consumidor, muitas vezes, aquilo que nós pensamos, em termos de senso comum, que é uma cara confiável, uma face confiável ou uma expressão que demonstra que o produto é bom, que passa confiabilidade, como a gente falou há pouco, não é aquela que realmente produz efeito nas pessoas. Nós reconhecemos, de alguma forma, relativamente bem as expressões faciais e, portanto, reconhecemos, boa parte das vezes, o que é uma expressão falsa de uma expressão verdadeira. Só que, de facto, em alguns momentos pode funcionar.
[00:01:25] Eu fiz alguns pilotos, há literatura sobre isso, mas experiências sobre se a presença de pessoas conhecidas — celebridades — ajuda ou atrapalha, depende obviamente do produto. Se uma pessoa sorrindo ou chorando, para pedir doação, se ajuda ou atrapalha, aumenta ou diminui os valores doados, há uma certa controvérsia. Uma das pessoas que é Adviser da CLOO faz investigação nessa área, ela chama-se Deborah Small que é da Universidade da Pensilvânia, da Wharton School. Especificamente há uma controvérsia se as doações aumentam ou diminuem, se a criança identificada numa propaganda ou num pedido de doação está com um sorriso ou se está com uma face triste. Existem investigações que mostram coisas um pouco diferentes. Na verdade, depende de outras variáveis que estão envolvidas nesse contexto, mas para dizer e para finalizar com o seguinte, se eu posso dar algum conselho, vou ficar parecendo um tio chato e velho, que é:
[00:02:43] Voltando à questão da ética, se o produto tem determinadas características e se de facto aquelas pessoas, que colocam o rosto, dizem coisas, realmente acreditam naquilo, o efeito vai ser muito positivo.
[00:02:59] Se o produto é ruim e as pessoas e o marketer ou o vendedor ou a pessoa que cuida disso coloca ali dezenas de manipulações, mais uma face que diz que aquilo é perfeito, poderá dar bons resultados no curto prazo mas efetivamente não dará no médio e longo prazo.
[00:03:18] Na minha opinião, aliás, na nossa opinião, o João está aqui ao meu lado poderá dizer se não é a dele, mas eu tenho a certeza que é, do ponto de vista ético não é correto enganar. Você pode vender, pode procurar vender facilitando, melhorando a experiência do consumidor, não colocando faces que supostamente demonstram confiança ou, que supostamente, demonstram felicidade, porque, como se diz, o tiro pode sair pela culatra.
[00:03:52] E não só por isso, mas por um imperativo que nós achamos que é o imperativo ético. Há uma coisa importante aqui que a gente precisa ficar atento. Quanto mais próximo de nós é a imagem, uma pessoa ou rosto provavelmente mais confiança vamos sentir. Então, em algum momento, um economista comportamental, mais provavelmente, um psicólogo ou qualquer pessoa da área de ciências comportamentais, que conheça bem esse assunto, e nós temos duas pessoas na CLOO que são especialistas nesse assunto das expressões faciais, a partir do seu registo, com as suas características, eventualmente com algumas características comportamentais colocadas no formulário e, eventualmente, a sua foto, os rostos e as faces, enfim, que vão aparecer, serão aquelas, que, muito provavelmente, causarão um maior impacto na tua decisão. Portanto, nós podemos chegar ao ponto, se é que já não chegamos, de coincidir, de alguma forma, ou de fazer um encontro das tuas características com o tipo de face que vai aparecer. Isto, na nossa opinião, não é correto porque, de facto, uma manipulação que poderá afetar a escolha do consumidor, não no sentido positivo para o consumidor, mas única e exclusivamente no sentido positivo para quem vende.
[00:05:15] A ideia da economia comportamental aplicada a essa área é melhorar a experiência do consumidor, fazendo com que ele consiga comprar aquilo que quer, que está de acordo com as preferências e com a restrição orçamental que ele tem, que ao mesmo tempo é um ganho, é um benefício, é um valor agregado para a própria empresa.
João Matos: [00:05:35] Deixa só acrescentar que esta questão das caras que o Carlos referiu é interessante porque, hoje em dia, dificilmente não se encontra a cara de alguém nas redes sociais, não é? Quem diz a cara, diz a data de nascimento, a localização. Portanto, isto pode parecer uma ideia um pouco radical, mas a verdade é que nós estamos expostos a muita perda de privacidade no mundo digital. E esta é uma questão que também tem sido estudada.
[00:06:08] As pessoas quando respondem a inquéritos dizem que a questão da privacidade é muito importante, mas depois isso entra em contradição, primeiro, com uma necessidade de alguma autopublicitação, da pessoa se puder exprimir, exprimir a sua identidade, poder recolher também alguma popularidade, algum reconhecimento a partir das redes e a subestimação de como alguma informação sensível pode vir a ser utilizada.
[00:06:45] Algo tão simples como a idade e o local de nascimento permite-nos imediatamente tirar uma série de conclusões sobre quem é a pessoa, quais são os prováveis números de segurança social, em que range é que estão e uma série de situações. Portanto, não estamos assim tão distantes de um mundo em que nós entramos num website e o website pode saber imediatamente qual é a nossa cara e de onde é que nós vimos e criar uma experiência apropriada a isso. Portanto, isto é outro dos aspetos que nós achamos que vai ter de entrar na discussão sobre a forma como nós garantimos uma experiência segura no mundo digital.
Nelson Peixoto: [00:07:38] Posso dar o exemplo do Facebook, em que os anúncios que nós recebemos e que nós vemos de determinadas marcas, que eu posso até não conhecer, tem lá um campo, uma zona, que diz: “olha, estes teus amigos gostam disto”. E eu automaticamente, ao ver aquilo, inconscientemente, ou até conscientemente, atribuo mais confiança e mais credibilidade àquela página porque sei que se alguém que eu conheço fez o “gosto” ou está a seguir aquela página é porque aquilo deve ter algum valor.
[00:08:09]
Para terminar, que livros ou outros recursos recomendam que se leia sobre este assunto? Se possível, mais aplicada à vertente do comércio eletrónico?
Carlos Mauro: [00:08:21] Nelson, sobre sugestões de leitura, há muita coisa na internet, muita coisa interessante e gratuita.
[00:08:34] Eu sugiro, sobre as bases ou os fundamentos de uma parte da ciência aplicada à economia comportamental que dá as bases da economia comportamental, sugiro um livro de divulgação científica do Prémio Nobel de 2002 Daniel Kahneman, que em português, aliás em Portugal, foi traduzido por “Pensar Depressa e Devagar”. Foi publicado aqui em Portugal em 2011 ou 2012, o livro é de 2011, se não estou em erro, eu acho que foi publicado aqui em 2011/2012.
[00:09:18] Depois existem os livros do Dan Ariely, que também são livros de divulgação científica. Dan Ariely, muitas vezes, é considerado ou é visto como um cientista pop, digamos assim, que tem muitas TED talks, muitas aparições e livros que viram best-sellers, mas, na verdade, ele é um cientista a sério. Ele tem uma boa linha de publicações em revistas extremamente relevantes, muitos ex-alunos que têm feito trabalhos e estudos muito interessantes. Portanto, ele é um cientista sério, mas tem vontade e motivação para escrever livros de divulgação. Portanto, se encontrarem livros do Dan ou Daniel Ariely pode ser interessante.
[00:10:12] Sobre o digital ou a área digital, existe um autor muito interessante chamado Shlomo Benartzi, que tem um site chamado Digitai, ou, enfim, é assim que eu vou pronunciar. Depois eu acho que isso vai em baixo, vocês acrescentam, portanto, eu vou deixar ali o site que é uma organização que tem como objetivo criar intervenções digitais para produzir mudanças comportamentais para benefício dos consumidores, dos negócios, da sociedade como diz no próprio site.
[00:11:04] Portanto, acho que são referências que podem ser importantes, não só para pessoas da área do marketing digital, mas para as pessoas no marketing digital sugiro que leiam esses livros ou estes artigos.
[00:11:18] Aliás, lembrei-me de mais um. O livro chamado “Nudge” do Richard Thaler e do Cass Sunstein. O Thaler, foi prémio Nobel em 2017 e é um livro muito interessante, tem um primeiro capítulo, na verdade, acho que é a introdução, que fala muito bem sobre as questões fundamentais éticas, sobre, o que nós chamamos de paternalismo libertário, que é alterar o comportamento das pessoas, ajudando-as a fazer aquilo que é melhor para elas próprias e para a sociedade, mas sem retirar opções de escolha. Ou seja, sem retirar a liberdade de escolha das pessoas. Isso também é um aspecto interessante.
[00:12:06] Essas são sugestões muito, muito básicas. Eu diria que não são básicas no sentido de serem muito fáceis, mas eu diria que é um bom caminho. Apesar de serem leituras óbvias, aquelas pessoas que já conhecem a área vão dizer: “puxa vida, o Carlos vai dizer esses livros de novo”. Não, a questão é que estou dando sugestões para pessoas que não conhecem ou não sabem nada ou muito pouco da economia comportamental. Sugiro que leiam esses livros ou folheiem, procurem informação, através talvez desses autores.
[00:12:45] Para quem tiver ouvindo o podcast e tiver dúvidas, se quiser entrar em contacto, mesmo que seja para darmos outra sugestões, pode entrar em contacto pelo email geral@cloo.pt. Podem visitar, também, o nosso site que é cloo.pt, e, portanto, terão lá mais informações.
Nelson Peixoto: [00:13:15] Muito obrigado ao Carlos Mauro e ao João Matos por terem partilhado connosco o seu vasto conhecimento nesta área tão complexa e ao mesmo tempo tão interessante para o ecommerce.
[00:13:25] Agradeço, também, a todos os que estiverem desse lado a ouvir esta edição do podcast dedicada à economia comportamental. As sugestões dos livros, o email e o website, também, vão estar disponíveis no nosso blog, em tsecommerce.com/blog.
[00:13:44] Para se manterem a par das novidades do mundo do ecommerce sigam-nos nas redes sociais: Facebook, Linkedin e Instagram e subscrevam a nossa newsletter. Por hoje é tudo e até à próxima edição do podcast Tudo sobre eCommerce.