Ecommerce à Quarta – Edição #2 – É possível ter uma marca sustentável em ecommerce?
Vera Maia (VM): Bem-vindos ao novo episódio de “Ecommerce à quarta”, comigo Vera Maia e com a Sónia Costa. Não se esqueçam que esta é a nossa nova rubrica semanal, acompanhem-nos semanalmente seja no Youtube, Soundcloud ou Spotify. Ou então podem também ler os nossos blogposts com os temas que vamos explorar semanalmente.
Sónia Costa (SC): Então, esta semana vamos a um tema, espero eu, menos polémico do que o dropshipping. Vamos falar sobre se é ou não possível ter uma marca sustentável em ecommerce. Quem nos acompanha sabe que este tema é importante para nós e está espelhado na nossa marca e loja online Shaeco.
Portanto, para nós, a sustentabilidade é importante, mas hoje nós queremos falar sobre o que é realmente ser sustentável em ecommerce e quais são os desafios de ser verdadeiramente sustentável em ecommerce. Logicamente não queremos aqui apoiar qualquer tipo de greenwashing. Para quem não conhece esse termo, é as empresas fazerem de conta que estão a ser sustentáveis e amigas do ambiente nomeadamente com alguns esforços de comunicação, mas depois, se nós realmente formos analisar, elas não são verdadeiramente amigas do ambiente nem verdadeiramente sustentáveis.
Portanto, o que nós vamos tentar falar é: vamos fugir disso de comunicar que sou amigo do ambiente e que sou verde e sustentável e vamos trabalhar para realmente sermos, porque nós acreditamos que vale a pena deixarmos o mundo um lugar melhor do que quando o encontrarmos. Se bem que isso tem é difícil, não podemos desanimar e temos que fazer a nossa parte, penso eu.
VM: Sim, sem dúvida. E eu queria também propor que falássemos então não só da sustentabilidade ambiental, mas de uma sustentabilidade a três níveis: a sustentabilidade ambiental – sabemos que é muito relevante para nós até no nosso dia a dia -, a sustentabilidade financeira – todos os negócios têm que ser sustentáveis também financeiramente para serem vantajosos no futuro, o negócio tem de gerar lucro senão não é um negócio – e também a sustentabilidade social – como eu já referi várias vezes quando falamos principalmente da Shaeco, é impossível nós pedirmos a alguém que tenha um estilo de vida mais sustentável e que apoie empresas sustentáveis, mas que depois não tenha capacidade económica para pagar as suas contas ou que não tenha capacidade para comprar livros para os filhos estudarem.
Temos que pensar sempre que a sustentabilidade tem aqui vários níveis e sem dúvida que a ambiental é um tema que está em cima da mesa, até porque o ecommerce é muito pouco sustentável ambientalmente e já vamos falar sobre isso. Mas também quero muito que se reforce a parte financeira e a parte social, porque acho que nós temos um papel na sociedade enquanto empresas, enquanto gestores a esse nível.
SC: Queria também dizer que o importante é nós não acharmos que este é um desafio impossível e que mais vale não fazer nada. Algo que nós também dizemos na Shaeco é que todos os gestos importam, portanto se eu for sustentável nem que seja um pouquinho todos os dias, eu já estou a ajudar alguma coisa. Nós não temos que ir morar para uma montanha e não usar nenhum recurso para sentir que estamos a ajudar o planeta, porque isso é muito extremo e muitas pessoas sentem-se tentadas a desistir ou nem começam. Queria dizer mesmo que é importante se nós unirmos os pontos todos e fizermos um pouquinho de cada vez e formos muitos a fazer isso, eu não tenho a menor dúvida que vamos causar uma diferença.
Vamos então à primeira bola: esta é uma provocação também aqui para quem nos segue e trabalha em transportes. Convido-vos desde já a comentarem com um argumento para aquilo que eu vou dizer porque o que eu quero mesmo é iniciar uma conversa.
Acredito que aquilo que torna o ecommerce menos sustentável é obviamente o transporte. Portanto, aqui nós estamos numa questão complicada: nós, enquanto marcas, também temos culpa disso. Nós dizemos que uma grande vantagem é que as pessoas podem encomendar hoje e receber amanhã ou receber em 48 horas. Mas nós já contactamos com muitas empresas, já fomos a muitos eventos e já falamos com muitas transportadoras onde a ideia é reduzir ainda mais estes timings, ou seja, eu encomendei hoje e recebo no próprio dia ou se for numa determinada área recebo passado hora. Então, aqui a nossa questão é: o produto que estamos a comprar é sim tão urgente que valha a pena estar a ter este gasto de transporte, uma carrinha, um avião (seja do que for) para que o produto chegue de imediato, na mesma hora ou no mesmo dia a casa das pessoas? Será que nós, marcas, também não habituamos mal as pessoas nesse sentido? Nós falamos muito com compradores online e costumamos colocar esta pergunta.
Esta é uma pergunta que faz parte da nossa investigação junto dos compradores: qual é o tempo máximo que acharia aceitável esperar por uma encomenda? E a generalidade das pessoas, obviamente que há respostas muito diferentes, mas em média, as pessoas acham normal aguardar uma semana. Portanto, será que uma forma de os nossos negócios de ecommerce serem mais sustentáveis e nós trabalharmos aqui um bocadinho esta ansiedade de receber a encomenda no dia seguinte?
VM: Sim, e eu confesso que contra mim falo, porque eu sou uma cliente que, quando compro, gostava de receber o mais rápido possível. E percebo que muitas pessoas pensem assim: se eu não vou receber rápido, então vou ao shopping comprar ou desloco-me e vou buscar aquilo que quero ou preciso ou seja o que for. Nós próprios temos que trabalhar esta questão da ansiedade em sociedade e reduzir a ansiedade das pessoas de terem acesso àquele bem imediatamente, de serem os primeiros a experimentar, os primeiros a mostrar que têm aquilo. Porque muitas vezes nós compramos coisas não por necessidade básica, mas porque queremos mostrar aos outros.
Enquanto marcas, acho que a nossa responsabilidade é mostrar que o produto pode ser enviado de uma forma mais lenta e ao ser mais lento se calhar vamos ter menos impacto no planeta. E o produto vai ser recebido na mesma com a qualidade que o que o cliente precisa. Temos que reduzir esta ansiedade que é provocada em muitas indústrias. A indústria da moda provoca uma ansiedade enorme, pelas mudanças rápidas nas coleções, a necessidade de mudarmos rapidamente aquilo que temos no armário ou seja o que for.
E depois temos aqui alguns gigantes da indústria que trouxeram esse hábito ao cliente. Quando nós falamos de uma Amazon em que os clientes pagam prime para receberem mais rapidamente, pagam uma anuidade para receber mais rapidamente os seus produtos e terem acesso a tudo mais rápido. Realmente há aqui um impacto da indústria e da própria área em que há uns anos não havia tanta preocupação com uma entrega tão rápida e agora é pressionada pelos nossos pares, pelos outros à nossa volta.
SC: Isto é um bocadinho uma pescadinha. Agora os consumidores já querem rapidez, mas provavelmente quem lhes incutiu essa rapidez fomos nós enquanto marcas. Portanto agora voltar atrás será complicado, mas, lá está, eu acredito que nós enquanto consumidores é que temos que ser exigentes e pensar: ok, eu aguardar mais um ou dois dias pode ser então o meu contributo para uma sustentabilidade nesta minha compra.
Queria dizer outra coisa relacionada com o transporte, mas que aqui tem um bocadinho mais a ver com o consumidor. Penso que aqui as pessoas podem ter um papel realmente mais ativo em ser mais sustentáveis – as tentativas de entrega. Quando fazemos uma compra online, a transportadora tenta entregar uma vez e assume que nós vamos estar em casa, portanto “a sua encomenda chega hoje, esteja pronto para receber”. Aliás, eu vou receber agora uma encomenda, convém que eu esteja em casa e que possa abrir a porta à transportadora. Mas nós sabemos que, muitas vezes, não estamos em casa e então a transportadora tem que tentar novamente no dia a seguir. Ou seja, eu aqui já estou a fazer com que a minha encomenda, que se calhar já não era muito sustentável por ser entregue de um dia para o outro, agora com uma segunda tentativa seja ainda pior.
Portanto, aqui o apelo vai diretamente para nós enquanto consumidores. Eu sei que às vezes as transportadoras têm uma janela incomportável, “vamos entregar a sua encomenda entre as 8h e as 20h” e nós “obrigada, nesta janela de tempo é complicado.” No entanto, basta darmos uma morada de entrega que nós sabemos que está lá alguém ou não nos importamos de recolher a encomenda num ponto pickup, por exemplo. À minha volta, há muitas papelarias que são pickups de inúmeras transportadoras. Aqui o desafio fica no lado do cliente: vamos tentar evitar que a transportadora tenha que nos entregar a mesma encomenda duas ou três vezes, porque realmente essa nossa compra mais pesada para o ambiente.
VM: E temos a questão das embalagens também, porque a embalagem é importante: é importante termos uma embalagem que seja interessante e apelativa e que o cliente queira partilhar quando recebe a embalagem. Mas também já tive feedback de clientes que me diziam “mas ela vai para o lixo”, portanto não preciso de uma coisa assim tão extraordinária quando recebo a minha encomenda. E volto a dizer, contra mim falo, porque sempre reforcei muito a importância de uma embalagem que criasse impacto. Se calhar aqui a questão de “ela vai para o lixo” é porque não cria impacto suficiente ou não é interessante o suficiente ou não é relevante e há simplesmente clientes que não vão valorizar a embalagem.
O que não faz muita confusão é a falta de otimização da própria embalagem. Às vezes vem uma coisa mínima numa embalagem enorme. Lembro-me que no Natal passado, a minha irmã enviou para o Vasco (o meu filho mais velho) um presente que tinha uma caixa enorme, nunca vi uma caixa assim tão grande a chegar lá a casa. E dentro o que trazia era um camião de brincar. É verdade que o camião era comprido, mas a caixa era tão, mas tão grande… Era tanto o ar a ser transportado que era mesmo um desperdício. Nós depois brincamos e fizemos uma série de coisas com aquilo para tentar não deitar logo fora aquela embalagem, mas em muitas casas o que fazem é colocar diretamente no contentor, porque depois é incomportável guardar tantas caixas.
Por isso, acho que também é uma coisa que as empresas podem ter em consideração na otimização que podem fazer, tanto em termos do tipo de embalagem que escolhem, como do tipo de mensagem que passam nessa embalagem – até dizer às pessoas “reutiliza-me” e darem ideias para utilizar a caixa para fazer outra coisa qualquer. E eu lembro-me que a minha avó forrava as gavetas da cozinha com um papel e depois forrava as prateleiras onde tinha as panelas com cartão. Podemos dar sugestões assim: pode ser usado para forrar alguma coisa em casa, na garagem, para transportar coisas no carro… Podemos ser nós, enquanto empresas, a sugerir ao nosso cliente que faça uma utilização melhor das coisas e mesmo os próprios produtos que compram, como podem utilizá-los durante mais tempo, como é que podem durar mais tempo e como podemos podemos reutilizar mais.
Agora aqui há uma questão ao mesmo tempo (que eu me questiono muitas vezes e isso também nos acontece na Shaeco) que é: nós, enquanto marcas, queremos vender. E ao querermos vender, queremos vender mais. Se nós temos um produto em que ajudamos a estender mais o tempo de utilização, vamos ter o cliente a comprar menos vezes e também pode ser difícil gerir isso.
SC: Claro, temos que trabalhar sempre na aquisição de novos clientes. Obviamente que nós vivemos muito das compras repetidas e de quem gosta dos nossos produtos e, portanto, voltar a comprar. Mas claro que temos de trabalhar para chegar a mais pessoas e não desistir também nós, enquanto marcas, dessa ideia de sustentabilidade.
Há aquela história muito famosa daquela pasta de dentes que começou a vender não sei quantas vezes mais só porque alargou um pouquinho o buraquinho por onde sai a pasta. E quantas pessoas punham a pasta e acabavam muito mais depressa? Portanto esse tipo de truques que certamente tornou essas pessoas muito ricas, não é muito bom para o ambiente. Eu penso que temos é que encontrar um bom equilíbrio, digamos assim, de fazer produtos que durem, mas também que não durem de forma a que nunca mais tenham que ser substituídos e ao ser substituídos que também o sejam de uma forma sustentável.
No nosso caso (Shaeco), logicamente que os nossos produtos são consumíveis e acabam por se gastar. Mas é também aqui tentarmos chegar a esse compromisso, ou seja, não temos que criar só coisas que duram para sempre para sermos sustentáveis, mas também é um pouco triste aquilo de destruir coisas que estavam boas ou não aceitar para se reparar coisas que estavam boas. Eu não resisto a dar aqui uma alfinetada na Amazon e provavelmente vocês não esperariam que uma pessoa que trabalha em ecommerce tivesse um ódio tão grande a empresa, mas eu não consigo disfarçar que para a Amazon é muito mais barato destruir produtos do que voltar a vendê-los. Eles têm milhares de milhões de produtos que simplesmente destroem, porque fica-lhes mais económico do que os venderem novamente a outra pessoa. Eu não posso deixar de considerar isto aberrante e, peço desculpa aos fãs da Amazon, mas eu não consigo lidar com isto.
Outra questão que também tem a ver com a sustentabilidade são as papeladas. Eu sou muito alérgica ao excesso de papelada. Nas lojas online, apesar de dizermos às pessoas que devem permitir que comprem em guest checkout (ou seja, sem registar e criar uma conta), obviamente que tem vantagens as pessoas registarem-se nas lojas, nomeadamente terem uma área de cliente onde podem estar lá todas as suas faturas e documentos relativos à compra que fizeram naquela loja online.
Isso evita logicamente estas tais papeladas que também são enviadas na encomenda. E eu vou aqui lançar um pedido de esclarecimento sobre essa coisa das faturas: como é que é esta coisa das faturas? Isto é a dúvida eterna do ecommerce.
VM: Isto é muito difícil, porque eu agora vou ter as finanças à porta. Porque nós já pedimos parecer no e-balcão, já fizemos todo o tipo de coisas e os pareceres não são claros nem transparentes, porque tem a ver com uma questão de legislação. Então o que acontece? Encomendas entre empresas têm que ser acompanhadas de guia de transporte, portanto aí há documentação que tem que ir fora da caixa e não há nada a fazer. Se bem que, neste momento, já existem códigos das guias e, portanto, também seria possível apenas o motorista dar o código da guia à polícia, por exemplo, se for mandado parar a carrinha e ser feita a consulta a partir desse código. Mas a verdade é que, a maioria das vezes, quando é feita uma fiscalização o que eles fazem é olhar para as encomendas, ver a documentação fora da caixa, lê-se e resolve-se a situação. Portanto, em business to business, de uma forma transversal colocam-se as guias. Pode-se tentar usar um envelope de papel reciclado, usar uma fita cola de papel… mas não se vai conseguir ultrapassar esta questão de colocar as guias fora das caixas.
Para o consumidor final, existe aqui uma questão na lei: para seguir com a encomenda e seguir fora da caixa com a encomenda, a fatura tem que ir em triplicado e não pode ser uma fatura simples. Não pode ser uma fatura simplificada, aquela que nós temos normalmente acesso quando vamos comprar coisas à mercearia, etc. Tem que ser uma fatura que inclua todos os detalhes do horário de carga e descarga, toda a informação. Como não se emitem guias de transporte para o consumidor final, em alternativa o único documento que vale como documento de transporte é uma fatura – e tem que ser a tal fatura completa, porque a fatura simples não serve de documento de transporte.
No entanto, a própria lei também tem exclusões e diz que produtos enviados ao consumidor final, para consumo doméstico próprio, não precisam ser acompanhados de fatura nem de guia de transporte. Não precisam de ser acompanhados de documento nenhum, excluindo o mobiliário, máquinas, televisões, computadores. Isso tem que ser acompanhado da fatura em triplicado obrigatoriamente e produtos como os da Shaeco não têm que ser acompanhantes desse documento, pelo menos é a nossa interpretação da lei.
Como eu digo, agora posso ter as finanças à porta a dizer que não é nada assim. Mas a lei diz que tem existe essa exclusão e nós usamos essa exclusão. E, muitas vezes, as próprias transportadoras não sabem isto. Já tive que mandar a lei para transportadoras com as quais trabalhamos, porque eles queriam obrigar-nos a pôr a documentação fora da caixa. Então, fora da caixa, eu digo para não colocarem nada. Colocam só a carta de porte, o documento da transportadora com os detalhes todos, para quem vai, etc. e dentro da caixa, se quiserem, podem colocar uma fatura, se não tiverem fatura digital. Porque, hoje em dia, também é preciso haver uma assinatura digital ou eletrónica. É obrigatório e nem todos os softwares de faturação já têm isto bem colocado ou bem feito. Portanto, para muitas empresas, a alternativa é: se eu não vou ter uma assinatura digital e não posso dar a fatura digitalmente, tenho mesmo que colocar dentro da caixa. Sempre dentro da caixa, não coloquem fora. Se colocarem fora e houver uma fiscalização, o que vai acontecer é que a primeira coisa que eles vão ver é a vossa fatura e se ela não tiver completa, são vocês que têm a coima.
Isto em vendas intracomunitárias. Para vendas nacionais, é esta a lei. Vendas intracomunitárias não obrigam a colocar nada fora da caixa, não existe nenhuma lei que nos obriga a colocar nada. Para vendas extracomunitárias, aí sim, essas têm documentação própria que tem mesmo que acompanhar, como a fatura comercial e uma série de questões. Não podemos ultrapassar, para já. Pode ser que no futuro haja formas de nós fazermos isso de maneira diferente, mas a partir do momento que chegam às alfândegas tem mesmo que acompanhar com a documentação certa.
Eu conheço empresas, mesmo da área da sustentabilidade, que punham a fatura fora da caixa em triplicado e não façam isso, por favor. É assustadora a quantidade de papel que não é de todo necessário. Existem estas alternativas e mesmo a própria lei pode não ser muito clara, mas a verdade é que nós na Shaeco não estamos a fazê-lo e recomendamos aos nossos clientes que não o façam.
SC: Sim, só aqui já estamos a ter uma grande economia. Sobre o packaging, acho que também é importante mencionar o que vai dentro da caixa quando nós abrimos. Muitas vezes, eu reclamo porque compro muita roupa de criança e bebé (porque tenho dois filhos pequenos) e nós quando abrimos a caixa vemos que realmente vem imensa quantidade de plástico. Eu às vezes fotografo aquilo tudo e mando para as marcas e pergunto: será mesmo necessário mandarem um quilo de plástico juntamente com a minha roupa? E isto são grandes marcas….
Portanto, não só o tamanho da caixa adaptar-se à encomenda – isso acho que é incrível e acho que foi feito um trabalho incrível na Shaeco – mas também quando nós abrimos a caixa ver como podemos acondicionar os produtos. A roupa não se parte, não tem que vir incrivelmente plastificada, não é? Há aqui soluções que as marcas podem adotar.
VM: Eu, tendo trabalhado em moda, conheço um bocadinho do cenário e as roupas já vêm embaladas da produção. Portanto, as peças quando são produzidas já vêm embaladas e depois quando vão para as lojas ou são colocadas numa caixa para enviar para nossa casa e eles nem tiram a embalagem de fora. Ou então eles tiram a embalagem e enviam e nós não nos apercebemos que houve ali uma embalagem adicional. Mas a verdade é que nas produções tudo leva plástico, tudo leva saco… e acho que vai ser muito difícil ultrapassar isto por uma questão de higiene e essas questões todas. A não ser que possamos usar o plástico mais reciclado, usar outras alternativas como o saco de pano, por exemplo, mas isso também encareceria as produções. Mas poderia ser uma solução em vez de termos sacos de plástico, termos sacos de pano que acompanhariam todos os produtos. Se bem que é a mesma coisa com o calçado. O calçado todo vem numa caixa de cartão e depois é colocada ainda uma caixa externa para o transporte. São duas caixas.
SC: Eu entendo perfeitamente essa questão dos plásticos… Aproveito para lançar outro tema que é as próprias empresas terem processos mais sustentáveis. Um deles pode ser a reciclagem. Se eu não tenho a certeza se o meu consumidor final vai fazer toda a reciclagem que devia fazer, eu, enquanto marca, posso receber aquela encomenda toda, com aquele plástico todo e posso garantir que é reciclado.
VM: Há muitas empresas que não têm processos nenhuns em ecommerce. E todos nós falhamos, há coisas podemos fazer melhor, mas é muito assustador quando entramos num processo logístico e vemos que alguém vai a um computador e imprime o documento com as encomendas, a seguir imprime as faturas em duplicado ou triplicado, porque umas iam para a contabilidade, outras iam com a encomenda, depois outras ficavam arquivadas… Em resmas de papel, isto é mesmo assustador. Aqui a única coisa a resolver são sistemas e processos internos. Se eu emitir uma fatura no mesmo sistema que a contabilidade tem acesso, porque é que eu vou levar o papelzinho à contabilidade? Não me faz mesmo sentido nenhum.
E muitos desses processos manuais existem porque as pessoas têm medo do sistema e querem o papel. Já vi ainda pior: imprimir a fatura, guardar a fatura numa capinha e depois ainda imprimir a carta de porte da transportadora e também pôr junto dessa fatura. Na Shaeco, nós carregamos num botão e sai a fatura, sai a carta de porte e está tudo lá integrado. Se algum dia eu tiver alguma dúvida, vou a um sistema que tem isto lá armazenado e vou pesquisar estes documentos. Não vou andar aos papéis,
imaginem a quantidade de papel que isto gera ao fim de um ano.
SC: Claro e aqui estamos a falar de sustentabilidade, é esse o foco, mas também de produtividade. O tempo que se perde a imprimir coisas, arquivar, guardar papéis… os profissionais podiam usar o tempo muito melhor para fazer outras coisas. Também é desgastante e desmotivador andar a imprimir coisas e arquivar quando não há necessidade disso.
Uma empresa que tenha dezenas ou centenas de vendas por dia e que faça isso para cada uma delas, todos os dias, todos os meses, todos os anos… vejam o mal que estamos a fazer ao ambiente com coisas que já temos, lá está, em suporte informático.
O suporte informático tem que estar também com cópias, com backups, tem que estar bem armazenado. Não podemos ter medo de acidentes porque também pode haver um incêndio na empresa, uma inundação ou um assalto. Também não podemos ser fatalistas e dizer que vamos imprimir tudo porque também pode acontecer um acidente qualquer às folhas.
VM: Em relação a estes processos, muitas vezes o negócio de ecommerce torna-se insustentável enquanto negócio, porque nós não temos processos otimizados ou automatizados. E como não temos estes processos, temos de recrutar pessoas e quanto mais pessoas temos, mais custo temos na operação. Já vi uma empresa faturar um milhão de euros, mas o lucro no final do ano eram 16 mil euros, porque a operação torna-se muito pesada. E um exemplo claro é como preparamos as encomendas. A tal questão da sustentabilidade também financeira das empresas. Esta empresa recebia as encomendas dos clientes no sistema e então ia buscar todos os produtos às prateleiras e colocava num sítio, organizava numa mesa os produtos. Depois ia imprimir as faturas e as guias de transporte ou cartas de porte todas. E depois andava a jogar ao mix and match, a ver de onde eram as faturas. Os erros que pode gerar, o desperdício de tempo, de recursos humanos…
Nós depois implementamos tecnologia que faz exatamente o contrário. Eles até podem ir ao armazém buscar tudo, têm prateleiras móveis para trazer o stock, podem recolher tudo… mas em termos logísticos é muito mais rápido, porque é só picar com o código de barras e o sistema indica para quem é a encomenda. Eles só têm de processar encomenda a encomenda, não têm de estar a fazer aquele mix and match. Era de loucos, não imaginam como era processar um Black Friday naquela empresa. Eram dias e dias e dias.
Nós para sermos sustentáveis em ecommerce, temos que ter processos automáticos, ter pessoas a gerir estes processos e temos que ser capazes de implementar corretamente a tecnologia a nosso favor. Não podemos estar a pensar que a tecnologia é um custo, mas sim um investimento. É um investimento na sustentabilidade futura da empresa, porque nós para escalar um negócio, para fazer crescer um negócio temos que fazer.
Outro tema que eu queria muito abordar – que eu acho que às vezes é um tema tabu – é o preço ao qual nós vendemos os nossos produtos. Porque a verdade é que, dando um exemplo prático, hoje em dia o custo de nós termos a nossa roupa no nosso armário é menos 50% do que era há 50 anos. O mesmo armário que nós temos, hoje custa menos 50% do que custava há 50 anos (e em alguns casos até mais do que isso) porque os nossos processos de produção são melhores hoje em dia, somos mais rápidos a produzir, conseguimos produzir em maior escala e também conseguimos praticar preços menores. Mas isso esmaga completamente a nossa cadeia de abastecimento. Temos empresas em Portugal que já não conseguem produzir aos preços que se produzem noutros países. É impossível produzir calçado em Portugal a 10 euros, as nossas fábricas produzem a 30 e a 40 euros.
Nós estamos sempre a pensar “eu tenho de ter o preço mais baixo” e para eu ter o preço mais baixo para entregar ao meu cliente, tenho que pressionar o meu fornecedor, tenho de produzir de uma forma mais baixa e tenho que ir buscar as matérias primas a um preço mais baixo. E quanto mais nós fazemos essa pressão no mercado, menos sustentáveis vamos ser. A sustentabilidade ambiental não é possível porque nós vamos produzir em países em que não existem regras em termos de poluição, em países em que os ordenados mínimos não são os nossos ou são inexistentes e não há proteção social das pessoas. Portanto, vamos obrigatoriamente ter que ir para outros sítios, porque cá não vai ser possível fazê-lo. Vamos tornar a nossa empresa menos sustentável também financeiramente e socialmente, porque vamos produzir em sítios que os ordenados são praticamente inexistentes, não vamos contribuir para uma sociedade melhor, culturalmente melhor, financeiramente melhor de forma alguma, porque queremos mais lucro na nossa empresa ou para praticarmos preços mais baixos. Portanto, eu sou completamente contra a política do preço baixo e a política da pressão pelo preço, porque não é possível ser sustentável a nível algum, na minha opinião, nem ambiental, nem financeiro, nem social quando existe uma política de preços baixos.
SC: Concordo contigo e tenho uma frase que li num livro que é algo do género: “um mercado onde as pessoas andam todas a lutar pelo preço mais baixo, é um mercado onde todos perdemos”. Achei uma frase muito poderosa e resume isso, ou seja, todos perdemos porque perdemos o investimento em fábricas portuguesas, perdemos a qualidade que é a produção nacional e os produtos portugueses feitos por pessoas que têm condições de trabalho, direitos e uma remuneração digna e justa. Não quero descambar demasiado para criticar a indústria da moda, mas recomendo que vejam o documentário “Fast Fashion”, mas que veja longe das horas da refeição.
Agora para aligeirar o tema, queria tocar noutro ponto. Uma forma de nós sermos mais sustentáveis em ecommerce é minimizar ao máximo as devoluções e as trocas em ecommerce. Uma das formas de nós fazermos isso é não nos enganarmos, não mandarmos uma encomenda errada, porque isso vai gerar uma devolução ou troca. Só neste momento vamos ter muito mais papeladas e transporte que vai acontecer mais não sei quantas vezes, assumindo que a pessoa continua a querer o produto e ele vai para trás e vem para a frente. Portanto, estão a ver a quantidade de papéis que se têm que emitir e os transportes que se têm que fazer.
Por exemplo, na nossa loja online, a nossa página de produto tem que estar detalhada ao máximo. As fotografias e os vídeos têm de ser de alta qualidade, porque a pessoa não está a ver o produto à sua frente, está apenas a comprar com base no que vê no ecrã. E nós já sabemos que os ecrãs depois também têm as definições das cores e nem toda a gente vê a mesma coisa. As nossas imagens e vídeos têm que ter a melhor qualidade possível para a pessoa poder ver o que está comprar, as nossas descrições têm que ser super completas e também aspiracionais para ajudar a pessoa a imaginar-se com aquele produto (para depois não se arrepender e devolver). A pessoa tem mesmo que querer comprar aquilo.
Depois apostarmos em bons guias de tamanhos para a pessoa saber o que é que vai comprar. Se me permitem a publicidade – e faço já aqui também uma ponte para a Conferência Tudo sobre eCommerce – um dos nossos parceiros é a Sizebay, eles trabalham com grandes marcas incluindo com a Farfetch e é exatamente isso: é um provador virtual, ou seja, no caso da moda e do calçado, nós podemos com muito rigor perceber quais são as nossas medidas e qual é o artigo que devemos encomendar, qual o tamanho que devemos encomendar… Mas nós já vimos alguns simuladores desse género em empresas como a Mango e tudo mais em que pomos a nossa altura, peso, medidas e recomendam-nos o tamanho a encomendar. Portanto, tudo o que a nossa loja online possa oferecer para garantir que a pessoa está a encomendar aquilo que quer de facto, que vai servir e que vai ficar bem. Comprar roupa sem experimentar pode ser um pouquinho complicado.
No nosso blog também temos artigos sobre como diminuir as trocas e devoluções em ecommerce. Têm aqui estas ideias, mas há muitas mais que se podem e devem fazer, porque a pessoa ao comprar e ficar contente com o que comprou, manteve aquilo, está a ser mais sustentável do que ao estar aqui a fazer novas compras e devoluções. Tudo isto são custos e são custos ambientais também.
VM: Sem dúvida. A fidelização pode ser dos pontos mais importantes aí porque um cliente fidelizado é um cliente que já conhece a marca, que já tem uma relação com a marca, e que provavelmente vai devolver menos. Portanto, também é um trabalho que nós devemos fazer no longo prazo: fidelizar bem os nossos clientes, criar uma boa relação com eles… porque é isso que vai fazer com que eles se mantenham do nosso lado e sejam advogados da marca, que sejam a comunidade que nós queremos criar e irmos um bocadinho além de apenas sermos vendedores de algum produto, mas termos uma missão muito forte.
Voltando ao greenwashing que é basicamente a utilização de práticas ou de mensagens mais verdes quando na verdade as empresas não o são. Empresas que promovem uma campanha de reciclagem de alguma coisa quando na verdade os produtos que eles comercializam vêm de sítios que nós nem queremos saber e com matérias primas que nós nem percebemos o quão prejudiciais podem ser. Todas as marcas hoje em dia começam a ir um bocadinho à procura de como é que eu posso entrar neste segmento da sustentabilidade, como é que eu posso ser mais sustentável… Muitas delas não são de todo e usam estas mensagens verdes para o tentarem ser e acreditem que isto é um desafio muito grande. Nós temos um desafio enorme cada vez que vamos tentar desenvolver um produto novo na Shaeco que não uso plástico, que não seja agressivo para o planeta, que não seja agressivo para nós até enquanto seres humanos. É muito difícil porque nós temos uma dependência enorme de certos materiais, certas matérias primas, de certas regras de negócio até.
Portanto, é difícil para as empresas conseguirem dar este passo, mas cada vez mais acredito que este é o passo que vamos ter todos que dar, porque nós somos realmente todos responsáveis pelo futuro do nosso planeta.
SC: A questão é mesmo essa. Queria só deixar esta nota aqui um pouquinho mais futurista e só aplicável a certas marcas, com certas estruturas. Essas marcas gigantes mundiais têm que dar o exemplo, não é verdade? E nós depois, marcas mais pequeninas, com o tempo as seguiremos. Portanto, acho que as marcas que são gigantes internacionais têm uma grande responsabilidade.
Em 2019 quando fui ao último Web Summit em pessoa, fui assistir a um painel que se chamava “poderão as marcas salvar o planeta?” Portanto há já essa noção que as marcas têm um grande trabalho a fazer em relação a isso. E já na altura um dos responsáveis da HP que estava lá deu uma ideia daquilo que ele acha que vai ser o futuro da marca: a produção on demand, ou seja, no caso deles era literalmente quando alguém faz uma compra online de um certo produto eles (porque, lá está, têm toda uma produção gigantesca e são uma marca gigantesca) eles produzem aquele produto que foi comprado e mais nenhum, não existe stock. É literalmente a produção on demand: eu comprei aquele produto, o produto é construído e é enviado. E não há produtos passíveis de se tornarem monos que teriam que ser destruídos. Isto é mais aplicável a certas indústrias do que a outras, porque logicamente nós não podemos fazer um champô cada vez que alguém o compra.
Acho que ficou claro que isto não é para todos, mas fica aqui uma ideia daquilo que pode ser o nosso futuro e daquilo que as grandes marcas têm uma responsabilidade de começar a fazer enquanto nós, mais pequeninas, ainda estamos a crescer.
VM: É isso! E já sabem, temos muito em breve a nossa Conferência Tudo sobre eCommerce. Já temos oradores a serem anunciados e temos os bilhetes à venda. Juntem-se a nós no dia 26 de maio (quinta-feira) no Porto ou através de livestream.
Até para a semana!