Ecommerce à Quarta – Edição #1 – Dropshipping: boa ou má aposta para vender online?
“Ecommerce à quarta” é a nossa nova rubrica semanal sobre ecommerce.
Temos o formato podcast (áudio) disponível no Spotify e no SoundCloud e o vídeo disponível no Youtube, além deste formato por escrito adaptado para o nosso blog.
O tema de hoje é dropshipping.
Vera Maia (VM): Trazemos um tema que costumamos chamar de uma das polémicas do ecommerce: dropshipping. Vamos conversar um bocadinho sobre aquilo que achamos que são as vantagens e desvantagens do dropshipping. Para esclarecer muitas pessoas que querem começar a vender online e acham que este poderá ser o melhor modelo para eles, é claro que tem vantagens. No entanto, nós achamos que existem mais desvantagens do que vantagens. O modelo dropshipping é um modelo em que nós não temos stock. O que vamos fazer é criar uma loja online e ter produtos à venda, mas esses produtos são enviados diretamente do nosso fornecedor ao nosso cliente, sem qualquer controle da nossa parte.
Sónia Costa (SC): Queria já alertar: atenção às questões da legislação, faturas, IVA, etc. Nós temos que cumprir a legislação porque à lei não interessa se o nosso modelo de negócio é dropshipping ou se é outro modelo. A partir do momento em que nós temos um negócio, temos que cumprir a legislação. Vou então começar por dizer uma vantagem. Uma vantagem do modelo dropshipping pode ser o seguinte: nós até podemos já ter uma loja online e queremos testar produtos novos à venda, ver se este novo produto tem aceitação e se faz sentido para o nosso target. Então, em vez de automaticamente começarmos a produzir e a desenvolver esse produto, podemos fazer alguns testes com dropshipping. Esta forma não requer um grande investimento em stock.
VM: Também pode ser para começar a testar um projeto. Nós temos uma aluna do nosso curso completo que estava com muitas dúvidas sobre como é que ia avançar com um projeto que envolve merchandising. Uma das dificuldades era pensar como é que iriam fazer um investimento em produto e como o fazer em Portugal com as quantidades mínimas que às vezes são um bocadinho elevadas. A solução foi encontrar parceiros dentro do Shopify. Existem parceiros de dropshipping que trabalham diretamente com Shopify e que têm essa possibilidade de nós podermos produzir merchandising à medida que há compras do nosso cliente. Portanto, fazemos um design e este só é impresso a partir do momento que há uma compra. E podemos escolher o tipo de produto que queremos, as matérias primas, produção dentro da Europa. Portanto, eu acho que pode ser uma vantagem para quem está a começar.
A questão é sempre escalar o negócio. A grande desvantagem do dropshipping é que não tem margem. Se eu estiver disposto a comprar stock, acredito que consigo ter um produto bom. Vai obrigar a investir algum dinheiro logo à partida, mas vou ter mais margem: margem para usar em marketing, mais espaço para investir no negócio. Neste exemplo do merchandising, a ideia era alimentar a comunidade e não ganhar muito dinheiro e, por isso, aqui o dropshipping encaixa bastante bem.
SC: Pessoalmente, sou uma pessoa que acredita muito no propósito e no significado: fazer coisas que nos preencham não só profissionalmente, mas também que nos façam sentir que estamos a contribuir para algo que nós acreditamos. Uma coisa que me stressa um bocadinho no dropshipping é que nós, na verdade, não estamos a trazer nada de novo ao mercado. Ou seja, nós estamos aqui simplesmente a ser quase um intermediário entre alguém que vai enviar o produto ao cliente que nós entretanto angariamos. Falo por experiência, uma das coisas mais gratificantes é desenvolver os nossos produtos e pensar como podemos dar resposta aos desafios e isto não existe no dropshipping. Estamos a vender produtos que são acessíveis a muitas outras pessoas e que a diferença é quem consegue fazer um marketing, digamos, mais agressivo.
Aliás, eu e Vera estivemos numa conferência em Barcelona (2019) onde o primeiro orador literalmente ensinou como é que nós dávamos a volta ao Facebook com múltiplos Business Manager e múltiplos cartões de crédito. Isto para estarmos sempre a fazer publicidade muito agressiva de produtos completamente indiferenciados de forma a escalar negócios que não assentavam numa marca, valores e visão. Só assentavam em anunciar massivamente para atrair milhões de vendas e depois se o cartão de crédito ou o Business Manager fosse queimado tínhamos de partir para outra.
VM: Eu percebo que há muita gente que pensa no negócio de ecommerce como um negócio paralelo, como alguma coisa que vão começar ao final do dia. Mas concordo que as marcas têm que acrescentar valor para não serem trocadas rapidamente. Se eu vendo uma coisa que mil outras pessoas vendem é como comprar produtos no supermercado: vou ao supermercado e compro o mais barato. E eu só tenho uma oportunidade para ser o mais barato, portanto a partir daí mais vale não lutar pelo posto de mais barato, mas pelo mais interessante e mais relevante para a nossa comunidade.
E tocaste num tema que também é importante. Muitos negócios dropshipping vêm as suas contas de anúncios bloqueadas. Às vezes, nós até começamos a fazer um dropshipping e a ter interesse no mercado, mas depois é um caos nós gerirmos a multiplicidade de contas que temos que ter e cartões de crédito. Em Portugal, para cumprirmos com a lei, temos que ter uma morada, um número de contribuinte, uma empresa e não temos a possibilidade de criar cartões de crédito à maluco.
SC: E queima a nossa credibilidade perante o Facebook. Também temos que ter a noção que a máquina do Facebook está a ficar muito afinada. Cada vez mais, quando tentamos criar Business Manager diferentes aparecem-nos logo alertas do Facebook que sabe que nós somos a mesma pessoa e que aquela marca já tem um Business Manager e impede-nos. Tenham em atenção que, para o bem e para o mal, o algoritmo do Facebook é cada vez mais implacável.
VM: Inclusivamente, nós conhecemos uma pessoa que foi dropshipper e que, por esse motivo, não conseguia abrir conta alguma no Business Manager, com nenhum email, com nenhum acesso… Lá em Barcelona também me lembro de ter falado com um rapaz russo que trabalhava numa empresa de dropshipping enorme, trabalhavam lá imensas pessoas e faturava alguns milhões de euros, mas o problema dele no final é que o negócio não era rentável. Temos que compreender se vamos ter um negócio ou se vamos andar a pagar aos nossos fornecedores.
Uma das coisas que também chama a atenção é o serviço, porque nós podemos vender em modelo dropshipping com serviços mais rápidos ou mais lentos. Mas se nós não controlarmos o serviço de entrega ao cliente, a relação, a transportadora, o tempo de entrega também acaba por ser uma desvantagem. Acho que também é uma das grandes desvantagens o facto de não haver esse controle e esse contacto com o cliente.
SC: Sim, a verdade é que o serviço de apoio ao cliente dá muito trabalho. Basta termos uma loja online que chamamos de “normal”, já dá muito trabalho. As pessoas colocam muitas questões e dúvidas e nós temos vários canais para sermos contactados: WhatsApp, Facebook, Instagram, email, telefone… As pessoas colocam muitas questões e no dropshipping nós não controlamos nada do processo. Só controlamos a venda e depois vamos estar a ser muito massacrados por esses pedidos de apoio. Com as demoras, os transportes, o estado em que chega a encomenda. Muitas vezes há uma encomenda que viaja muito tempo e passa por muitos sítios e por muitas mãos e chega da forma que nós esperávamos recebê-la. E quem é que vai receber essas reclamações? Somos nós, e na verdade nós não controlamos minimamente nenhuma parte deste processo. E depois o que nós reparamos é que o apoio ao cliente nos está a consumir muito tempo e muitos recursos.
Nas nossas lojas online, aquilo que nós recomendamos aos nossos clientes e alunos é usarmos as dificuldades que recebemos no apoio ao cliente para melhorar, para introduzir coisas novas nos nossos serviços ou até para desenvolver novos produtos. Na Shaeco, temos essa experiência: muitas vezes fazem-nos tantos pedidos de uma coisa em particular que nós realmente pomos isso com prioridade no nosso desenvolvimento. Aqui (dropshipping) vamos estar a receber imensos contactos nesse sentido e no final não podemos melhorar…
Ainda sobre a questão dos anúncios, uma pequenina vantagem que podemos ter aqui em dropshipping é, por exemplo, se alguém se quiser iniciar nesta parte de anúncios do Facebook, Instagram e marketing digital numa loja online com dropshipping, ou seja, testar formatos de anúncios, conteúdos, segmentação… No fundo, aprender a brincar com esta plataforma. Para isso, em vez de montar a sua loja online, começar por fazer algo com este modelo dropshipping pode ser uma vantagem. Acredito que as pessoas que trabalham com este tipo de anúncios têm que afinar de tal forma a máquina que podem ter aqui uma forma de testar e de aprender a fazer anúncios sem terem logo que ter a sua loja montada e os seus produtos disponíveis para venda.
VM: Pode ser uma vantagem ou uma desvantagem, mas uma das coisas que acontece nestes negócios é que os conteúdos já existem (imagens, textos, etc). Eu não recomendo que usem literalmente aquilo que vos é passado pelos parceiros até porque essa é a tal desvantagem – vamos ser iguais a todos os outros. Podemos receber amostras, fotografá-las e criarmos os nossos próprios conteúdos, mas já partimos de algum lado. Já temos alguma base e não temos que criar do zero que é uma das coisas que nos acontece na Shaeco e na TSE. Temos de fotografar, criar copy, estudar o mercado. Uma das vantagens do dropshipping é não ter essa necessidade, porque muitas coisas foram já estudadas e trabalhadas e não temos de ser nós a fazer esse exercício.
SC: Por outro lado, são produtos que não são muito diferenciadores, ou seja, são normalmente genéricos. Queria aproveitar para referir o assunto de nós termos uma pessoa que compra uma vez e nunca mais compra. Penso que isso é um grande drama do dropshipping, porque já numa loja online “normal” temos que ter um grande esforço de criar uma relação com os nossos clientes para que eles nos comprem mais do que uma vez. Os dados mostram quem nos compra e quem repete a compra e muitas pessoas compram apenas uma vez. Eu diria que em dropshipping isso é ainda mais dramático. Primeiro, porque nós somos apenas um intermediário, portanto a vantagem de comprar aqui ou ali não existe. Vamos estar aqui mesmo só a investir muito em one shots – aquela pessoa comprou uma vez, ficou queimada, tenho de ir com outra pessoa. Penso que um aspeto positivo e gratificante de termos um negócio é termos essa tal comunidade, as pessoas que nos seguem e que gostam de nós (o que não acontece no dropshipping). Falo muito sobre este ponto porque acho que há poucas coisas melhores do que nós sentirmos que alguém se tornou lover de algo que nós criamos, que compra várias vezes, compra os produtos novos, etc. versus uma pessoa que comprou porque viu o meu anúncio e na semana seguinte vê o anúncio da mesma coisa noutro sítio e compra na mesma.
VM: Pelo menos nos anúncios que vejo de dropshipping, parece-me que muitos produtos acabam por não ter utilidade prática. Também temos outro aluno que vai lançar a sua própria loja online num segmento muito específico e que até agora trabalhou com dropshipping e percebeu que só ao ter a marca própria é que vai conseguir escalar o negócio. Aqui é um negócio muito específico e interessante (tem a ver com videovigilância), mas a verdade é que a maior parte dos produtos que vejo em dropshipping não são muito apelativos.
Ia chamar a atenção para outra coisa: há negócios offline que hoje já funcionam quase como dropshipping, por exemplo as farmácias que não têm grande stock. Quando eu vou à farmácia da aldeia, 90% das coisas não existem lá e são entregues em duas horas ou quatro horas porque têm um serviço logístico já muito trabalhado neste segmento. Esse tipo de negócios se calhar até podiam viver muito bem de dropshipping: uma farmácia usa uma logística partilhada que é usada pelos distribuidores. Acho que esse tipo de negócio pode ser uma vantagem porque já existe e não é algo novo.
SC: Falo por experiência própria, agora com o meu bebé mais novo, mandei vir o leite em fórmula dessas empresas que não são farmácias, mas que vendem muitos produtos farmacêuticos. Encomendei algumas latas no sítio mais barato e aconteceu uma lata já vir sem o selo de plástico que nós temos que abrir. Como é que eu sei se aquilo já tinha sido aberto e se tinha havido algum tipo de contaminação? Não há resolução, porque a empresa quer que eu mande uma foto e eu mando, mas não prova nada. Neste tipo de produtos, optei por me deixar dessas brincadeiras e agora vou pessoalmente à farmácia.
VM: Lembrei-me de uma coisa que comprei esta semana: lentes de contacto. São lentes de contacto de uma marca, com receita médica e eu tenho a certeza absoluta que elas são feitas à medida. Não são daquelas que podem estar numa prateleira meses à espera, por isso, sei que vão ser produzidas no momento à medida. Se eu for encomendar numa loja física também acontece o mesmo, portanto, aqui acho que pode funcionar o modelo dropshipping.
SC: Sim, acho que pode. Aqui a questão é mesmo o transporte e como é que os produtos chegam às pessoas, que é aquilo que nós não controlamos. No caso das lentes, esse modelo pode ser utilizado perfeitamente, mas depois quem envia tem que enviar aquilo como se fosse seu e eu acho que como não é, falta aqui o comprometimento.
Ainda existe a ideia de que vender online e ter uma loja online é fácil. E que o investimento é baixo e traz logo resultado, o que é uma ideia errada. No dropshipping ainda é pior, ou seja, o que eu reparo é que as pessoas querem começar pelo dropshipping apenas por acharem que ainda vai ser mais fácil e com resultados avultados. O meu alerta é para não caírem na tentação do fácil e barato. Por tudo o que já falamos e pela questão da margem. Há pessoas que gostam de defender o dropshipping com aqueles conteúdos do género “eu era um Zé ninguém, agora faço dropshipping e ando de Ferrari” e não anda.
VM: Neste momento, anda toda a gente a falar daquele documentário da Netflix por causa daquele tipo do Tinder. Basicamente, um tipo do Tinder enganou uma série de mulheres dizendo que era um magnata. Entretanto já vi memes super engraçados a gozar exatamente com isso: aquela pessoa que está no avião privado ou em classe executiva e é isso que vende a toda a gente, mas na verdade está num buraco enfiada porque não ganha assim tanto dinheiro.
Acho que muitos cursos que aparecem online (e contra nós falo porque também damos formação) vendem muito surrealismo e aquela ideia de que vais criar um modelo dropshipping ou uma loja online e vais vender imenso. Se o que queremos é ganhar dinheiro então, se calhar, mais vale metermo-nos num programa de afiliados ou termos um blogue e vendermos publicidade ao Google.
Se a nossa paixão é criar produto, marca, uma relação com a comunidade, temos que ir um bocadinho mais à frente e temos que dedicar o nosso tempo a fazer essa essa diferença. Nós ligamo-nos muito a marcas que são pessoas, a marcas pessoais, marcas pequenas com uma filosofia que gostamos… No dropshipping, o grande desafio é conseguir lá chegar. A não ser que já tenhamos uma marca pessoal muito forte e que a nossa comunidade acredite nos produtos que promovemos. Aí as pessoas podem efetivamente comprar esses produtos com base no meu nome e na minha promessa, o problema é se não cumprimos essa promessa.
SC: Exato, não controlamos. Como tudo, o dropshipping depende os nossos objetivos. Antes de nos lançarmos, acho que temos de ter a consciência do que queremos com este negócio: se é testar produtos antes de abrir a loja, aprender a fazer anúncios, testar a recetividade da minha audiência… se o objetivo for andar de Ferrari, não vão por aí. Eu e a Vera lidamos com pessoas muito frustradas e destruídas porque os seus negócios (e às vezes são negócios feitos de sonhos e paixão) não descolam. Portanto, tenham muito presente o objetivo: o que é que vocês querem com este modelo dropshipping? Se esse objetivo for claro e preciso, acho que pode ser muito vantajoso e útil para se lançarem neste mundo das vendas online, para aprenderem e para começarem a criar processos. Devemos pensar “o que quero extrair disto? Como quero crescer?” e obviamente ter um plano, porque se nós não sabemos para onde é que vamos, qualquer caminho serve.
VM: Exatamente. Nós podemos ter 16 ou 18 anos e o nosso sonho é começar o nosso próprio negócio e então vamos experimentar vários modelos ou podemos criar um side job como forma de angariar mais dinheiro. Ou então nós queremos mesmo construir um negócio e construir algo rentável no longo prazo. Nós costumamos dizer “isto não é um sprint, é uma maratona” e dependendo dos nossos objetivos vai depender o modelo de negócio, a tecnologia, a estratégia de anúncios….
Já estamos perto do fim, acho que foi muito divertido. Vamos, sem dúvida, manter este formato porque nós também gostamos e já bloqueamos agenda para que isto aconteça. Não se esqueçam de nos seguir nas redes sociais e subscrever a nossa newsletter. Vamos ter a newsletter “Ecommerce à quarta” com vários temas diferentes. Antes de irmos embora, vamos só falar da Conferência.
SC: Estamos quase na Conferência de 2022 e este ano finalmente vamos poder estar novamente juntos no Porto. Vai ser no dia 26 de maio (quinta-feira) no Auditório dos Contabilistas Certificados do Porto. Vamos voltar a falar de ecommerce, trazer oradores nacionais e internacionais que vão falar de casos reais, mostrar as estratégias, o correu bem ou mal. Não deixem escapar o vosso bilhete, seja presencial ou livestream.
VM: Quem vier ter connosco ao Porto, vai almoçar connosco, vamos fazer networking… Vai ser um dia incrível. Voltamos para a semana com mais um “Ecommerce à quarta”!